quinta-feira, 7 de abril de 2011

A língua de Eulália

Em sua novela sociolingüística, publicada em 1997, Marcos Bagno aborda uma temática bastante interessante: o preconceito sofrido pelas pessoas que falam uma variedade lingüística diferente da norma-padrão culta do português. O autor salienta que falar diferente não significa falar errado e que o “erro” pode ser facilmente explicado lingüística, histórica, sociológica ou psicologicamente.

A obra narra a história de três estudantes que resolvem passar as férias na casa da professora Irene. Chegando em Atibaia, conhecem Eulália, a “empregada” de Irene e se espantam ao perceberem que ela fala de uma forma diferente. Na concepção das meninas, Eulália fala tudo errado. A partir daí, o que seria um passeio, transforma-se em uma reciclagem lingüística, em que as garotas podem conhecer um pouco mais sobre a história da linguagem humana e renovar idéias e conceitos sobre o assunto.

Nessas “aulas”, os temas são tratados com muita simplicidade. As semelhanças entre o português-padrão e o português não-padrão bem como as diferenças entre língua falada e língua escrita são abordadas de forma concisa e instigante. Além disso, o autor esclarece o mito da língua única, explica que toda a língua muda com o tempo e varia no espaço, nos apresenta a história da norma-padrão...

O português não-padrão é funcional porque elimina regras desnecessárias, ou seja, é uma língua enxuta e sintética. Por outro lado, o português padrão necessita de várias regras para abranger um único fenômeno lingüístico. Enquanto o PNP está em constante mudança, adaptando-se às necessidades comunicativas dos falantes, o PP se mantém inalterado por longo tempo.

Algumas idéias acerca de língua falada e língua escrita também estão presentes no livro Preconceito Lingüístico, em que Marcos Bagno afirma que a supervalorização da língua escrita combinada com o desprezo da língua falada também é uma forma de preconceito. E conclui que a língua funciona como uma partitura de música, isto é, cada instrumentista vai interpretá-la de uma forma particular.

Em "A Língua de Eulália", o autor se vale da professora Irene para minimizar as formas de preconceito sofridas pelos usuários do português não-padrão. Sabemos, no entanto, que essa discriminação é muito mais étnica, cultural, socioeconômica do que propriamente lingüística.

Se a intenção de Bagno era escrever um livro que explicitasse a sociolingüística de um modo claro e, ao mesmo tempo, interessante, não há dúvidas de que ele conseguiu: a narrativa por trás da teoria lingüística, o humor presente em vários momentos, os dados pesquisados e demonstrados em esquemas bem elaborados, não só facilitam a leitura como ainda atraem o leitor para o conteúdo científico a que a obra se propõe. Enfim, um livro recomendado a todos, que extrapola os limites de um livro técnico.

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