sexta-feira, 8 de abril de 2011

O estereótipo do gaúcho

O poema “Na estância”, escrito por Múcio Scévola Lopes Teixeira, retrata a vida do gaúcho no campo, apresentando um dia de sua rotina. Todo esse universo é descrito através de pequenas imagens, como o encilhamento do cavalo, a mesa posta sem toalha (provavelmente, entalhada pelo próprio gaúcho) e o sempre presente chimarrão, elemento essencial ao homem do campo. Unidas, essas imagens formam um belo mosaico representativo da vida campeira.

Ao longo de todo o texto, percebemos o modo de vida rústico, simples e minimalista. O que temos não é um lamento por essa condição, pelo contrário, é um canto de louvor à vida desprovida de luxo. O mosaico a que faço referência não é um retrato das agruras vividas pelo gaúcho, mas sim uma pintura pitoresca de sua rotina.

Vemos, também, as paixões do gaúcho, entre elas a morena gentil que lhe aperta os dedos ao passar o mate amargo, a pesca noturna, as cantigas ao redor do fogo de chão e as historinhas contadas pelas pessoas mais velhas. Enfim, todas as pequenas alegrias que preenchem sua vida. São esses humildes prazeres que cativam o eu-lírico e que inibem o pensamento de uma vida distinta.

A forte relação com o gado e o inseparável cavalo, daí a expressão “país dos centauros”, também está presente, desde o encilhamento até o mugido lúgubre da boiada solta pelos pampas.

Outro fator constante é a culinária, com comida sempre farta e saborosa. Dadas as condições vividas pelo gaúcho da época, sabemos que não são mais do que elementos iconográficos, exaltando a suposta prosperidade do campesino sulista.

Em verdade, a imagem passada pelo poema é aquela em que o eu-lírico gostaria de viver. Todas as dificuldades da vida do interior são omitidas. O que nos é mostrado são os lados bons desse modo de viver. Impossibilitado de levar outra vida, o gaúcho procura em seu próprio rancho miserável razões para ser feliz.

Enfim, temos no poema a visão interiorana de uma existência simplória, porém prazerosa. O gaúcho, no poema, não quer deixar o campo, pois é ali que se sente feliz. Separá-lo de sua terra é algo impensável, mesmo que sobreviver ali exija árduo trabalho.

É sobre essa dolorosa separação e suas consequências a que a música “Desgarrados”, composta por Sérgio Napp e Mário Barbará Dorneles e premiada na décima primeira Califórnia da Canção Nativa, faz referência. A letra é um contraste entre a imagem icônica vista no poema e as dificuldades enfrentadas pelo gaúcho que deixou o interior para viver no caos urbano da capital.

No começo da música, somos apresentados à realidade vivida pelo interiorano que largou o campo em busca de uma vida melhor, mais próspera, na cidade, mas que, ao desembarcar nela, não conseguiu trabalho e vive a mendigar: “Eles se encontram no cais do porto pelas calçadas/ Fazem biscates pelos mercados, pelas esquinas,/ Carregam lixo, vendem revistas, juntam baganas/ E são pingentes das avenidas da capital”.

O arrependimento pela mudança é bem visível em “faziam planos e nem sabiam que eram felizes”, ou seja, apesar de serem felizes no campo, a suposta facilidade da existência urbana os atraiu, trazendo a infelicidade.

Depois, visões de um passado mais feliz, muito semelhantes ao relato expresso no poema, fazem o contraponto dessas duas realidades. Novamente, a comida farta (veja como a “carne gorda” aparece nos dois textos), a convivência com os amigos, o chimarrão, os causos contados ao lado da fogueira se fazem presentes, apresentando a mesma exaltação à vida campeira vista no poema.

Por outro lado, enquanto o poema evidencia apenas aspectos positivos, a letra da música é mais melancólica e nostálgica, principalmente no trecho “mas o que foi, nunca mais será”, que deixa claro que o gaúcho já não é mais o mesmo, que nada será como antes, que todos os pequenos prazeres da vida simples já não passam de um saudoso passado, esquecido e levado pelo sopro do minuano.

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